Pular para o conteúdo principal

A SURRA DE CINTO

Meu amigo levou uma surra do pai aos 13 anos, de cinto.
@Adriano Carlos
Foi a primeira e única surra que recebeu na vida. Por uma injustiça. Responsabilizado por quebrar o rádio que nem usava. Um rádio que deveria ter estragado pelo mau contato do fio.
A fivela marcou suas costas.
Quando apanhou no quarto, não gritou por socorro, não chorou, não esperneou. Manteve-se obediente até o final do castigo, ficava preocupado em localizar a língua de metal. E se distraía tentando adivinhar os próximos ricochetes do ferrinho em sua pele.
Seu pai já não ajudava na demonstração do afeto: quieto, casmurro, de poucas palavras. Depois disso, a admiração tácita pelo papel de cuidador também se desfez lentamente. Nem o silêncio entre eles se salvou, evitavam olhar-se nos olhos.
Em toda conversa com o pai, esperava um pedido de desculpas, que não veio. Ambos comiam de cabeça baixa, como cavalos cansados.
O pai explodiu porque estava desesperado, irritado, preocupado com falta de vaga na construção civil e com a demora em arranjar um novo posto de trabalho.
O filho era a pessoa mais próxima no momento de raiva. Dependendo das circunstâncias, poderia ter sido a mãe, o irmão, o cachorro em seu lugar.
Só que sobrou para ele. E ele cresceu, casou, teve uma filha, obteve reconhecimento como professor universitário, abriu uma empresa de engenharia, mas jamais esqueceu o assunto. Seguiu adiante na vida, ainda que engasgado pela incompreensão do sangue. Amadureceu de um jeito ou de outro, pela convicção da aparência, apesar de permanecer parado na mesma lembrança.
Um dia, quando ele já ultrapassara os 40 anos, o então velho pai entra em sua residência, senta para tomar café da manhã. Cumprimenta a nora e a neta e se põe em sua frente com a pupila mareada.
Do nada, sem nenhum contexto, enquanto abria o pão com suas mãos macilentas e veias azuladas, o pai começa a se desculpar:
- Lembra quando eu lhe bati em sua infância? Lembra? Você estava na oitava série. Eu queria pedir perdão. Estava fora de mim. Foi um erro, um grande erro.
Quando finalmente obteve a retratação, o que ansiava ao longo de 27 anos, o filho não tirou proveito da situação, não foi arrogante, não descontou a raiva, não se prevaleceu, não julgou a demora, não condenou o atraso, não jogou na cara que pensou naquilo todos os dias, preferiu aliviar o sofrimento paterno, optou por cuidar do constrangimento paterno, o amor ao pai superou seu orgulho ferido, e apenas disse:
- Nem me lembro, pai.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Novo ciclo

Um ciclo fechou e o outro se abre. É hora de ver as falhas, e varrer da sua vida, tudo o que te faz mal. Espírito de mudança, essa é a palavra. Abrir a janela no início do dia, contemplar o sol e agradecer a Deus por mais uma oportunidade que ele está lhe dando para tentar mais uma vez ser feliz. Viver a vida com mais felicidade, e contar com aquelas pessoas que você sabe que estarão com você independente do porque, independente do motivo do seu choro. Passar a viver com mais desconfiança. Não acreditar em tudo o que dizem, mas também não deixar de acreditar que pode dar certo! Dias de chuva, sempre vão vir, pra você e pra todo mundo. Mas aproveite essa chuva pra lavar toda a sujeira, e no fim, aguarde o belo arco-íris que irá sair. Olhe para você e cuide de você. Você sabe o quanto pode fazer alguém feliz, então se não der certo, quem perdeu não foi você. Acorde pra vida..  

Mensagem do Dia...

Para tudo há um tempo Para tudo há um tempo em nossa vida... E a grande sabedoria é viver cada tempo com sua realidade, aceitando o que não pode ser mudado... Há um tempo de se sonhar, de acreditar no sonho e lutar por ele... Há um tempo de se desencantar porque o sonho não se realizou apesar da fé, apesar da esperança. No tempo de desencantar é impossível não sofrer... Porque o sofrer assim como os sonhos são partes iguais na soma dos fatos que fazem nossa vida... E no tempo de sofrer vale assumir a dor, senti-la bem fundo sem medo de morrer por ela. Vale assim a dor porque ao contrário seria fugir à realidade... E fugir à realidade não ajuda vencer o tempo que nos faz sofrer... Dentro da realidade do sofrer, a gente mergulha bem fundo sem contudo perder o contato com a esperança de poder sonhar de novo... O tempo de sofrer não pode sufocar em nosso coração aquela velha certeza de que Deus, sabendo das mágoas, inventou o tempo..... O tempo que transforma e muda realidades, e faz da lá...