Quero uma indenização pela vida que me tem sido roubada diariamente pelo trabalho desenfreado e pelas preocupações. Uma indenização por gastar a melhor parte do dia, que é justamente o dia, fazendo o que me cansa sem me dar prazer.
Quero um abono por dedicar à minha família apenas o que sobrou das minhas energias e minha paciência. Exijo uma cirurgia reparadora para amenizar a expressão cansada, o ar pesado e as rugas que cobrem meu rosto por passar o dia inteiro variando entre a introspecção e o mau humor.
Quero férias sabáticas com direito às viagens de Júlio Verne, pois só assim me sentirei compensado por tantos anos sem reparar na beleza da natureza, na grandeza do mundo e na diversidade das pessoas.
Quero ser mais humilde e mais humano. Quero ter oportunidade de voltar a exercer meu direito de ler livros, assistir filmes e conversar com meus amigos e tirar fotos sem a culpa de quem comete o maior de todos os pecados da vida moderna: a simplicidade.
Quero que façam voltar para dentro de minha boca todos os palavrões que proferi pelas ruas em momentos de descontrole e irritação com o meus semelhantes.
Exijo terminantemente a devolução da jovialidade da minha esposa, da qual desfrutei com tanta displicência. Quero de volta a virilidade do meu marido, que só agora sinto a falta que faz.
Desejo a devolução da infância dos meus filhos, que não assisti, apenas ouvi a narração de alguém que a vivenciou em meu lugar. Desejo encontrar um tribunal que acolha minhas queixas e julgue minha causa com humanidade. Um tribunal em que o juiz não julga segundo os postulados do direito, mas sim segundo os preceitos dos pequenos prazeres diários, dos quais somos privados implacavelmente.
Por último, quero acreditar que se um dia pudesse fazer tudo de novo, faria tudo diferente.